Minha mãe estava a caminho da clínica. Uma amiga estava dirigindo, chovia bastante naquela terça-feira. As duas estavam nervosas, a situação, o temporal, as ruas alagadas. E a ilegalidade do que faziam. As duas atravessaram a cidade, pegaram aquela avenida que passa na beira do mar, pararam em um sinal vermelho na subida de um morro. Estavam há vários minutos sem conversar, em silêncio total dentro do carro. Dentro do fusca só o barulho da chuva forte batendo na lataria. 


A minha mãe estava indo me abortar.


Acontece que meu pai, quero dizer, o homem que engravidou minha mãe, não queria ser pai. Tinha outra vida, outras prioridades. O homem tinha outros planos. Não era o homem pra ser meu pai. Talvez nenhum homem seria. Talvez minha mãe não conseguiria me criar sozi- nha. Talvez não era pra ser.


Existem vários tipos de pai. Desatentos, inseguros, dedicados, ocupados, atrasados, estressados, agitados, brincalhões. Há pais que fazem tudo, e há pais que não fazem nada. Há pais que ajudam no tema, dão banho, fazem aviãozinho com a colher, contam histórias an- tes de as crianças dormirem. Há pais que ensinam a andar de bicicleta, que levam no estádio, que dormem no sofá e deixam os filhos dormir em cima. Pais que deixam os filhos fazer tudo. Distantes, carinhosos, inconvenientes, moderninhos. Há pais de todos os tipos.


E há pais que decidem não ser pais.


E, por favor, me respondam como isso pode acontecer? Como um pai pode não querer ser pai? Não sabe tudo o que irá perder?

 

Não quero parecer catastrófico nem nada, mas é um ato de fé colocar filhos no mundo hoje. A previsão é de um futuro caótico, de mudanças climáticas, superpopulação, doenças epidêmicas e aumento da violência urbana. Ter filhos é acreditar no contrário disso tudo. Todo pai é um otimista.


Ter filhos é ter fé em um futuro melhor. 


Naquele fusca barulhento, naquela terça-feira chuvosa, naquele sinal vermelho na subida de um morro minha mãe achou melhor voltar pra casa. Depois ela ligava pra remarcar. E depois foi ficando pra de- pois, e ela foi dando um jeito, e eu acho que conseguiu um emprego, e a barriga foi crescendo, e a barriga era eu. E eu nasci. E minha mãe foi meu pai. E tenho certeza que não foi fácil pra ela, mas aqui estou eu.


Não sei como é ter um pai. Mas sei como é ser um pai.
E é a melhor coisa do mundo. 

Tenho certeza que você concorda, mãe.

Para Eloisa Piangers, por topar esse passeio. 

Para Ana Emília, Anita e Aurora.

E para mães solteiras, onde estiverem. 

Obrigado.